“O que move as pessoas, em meio a tantos problemas, a dedicar tamanhá energia para reprimir o uso do tabaco? Resposta: o impulso fascista moderno.
Proteger não fumantes do tabaco em espaços públicos fechados é justo. Minhá objeção contra esta lei se dá em outros dois níveis: um mais prático e outro mais teórico.
(...)
Odiaremos comedores de carne? Proprietários de dois carros? Que tal proibir o tabaco em casa em nome do pulmão do vizinho? Ou uma campanhá escolar para estimular as crianças a denunciar pais fumantes? Toda forma de fascismo caminhou para a ampliação do controle da vida mínima.
(...) Se comer carne aumentar os custos do Ministério da Saúde, fecharemos as churrascarias?”
Sem entrar no debate, é importante notarmos que há um erro na lógica acima do ponto de vista jurídico.
Toda proibição é um atentado contra algum tipo de direito individual. Ninguém questiona isso. É por isso mesmo que, sempre que o legislador prepara uma lei proibindo algo, ele o faz para tentar proteger algum outro bem jurídico maior ou que só pode ser protegido através da intervenção do Estado, pois a pessoa ou sociedade não conseguiria protegê-lo por si mesma, seja porque seria impossível, seja porque seria impraticável, seja porque seria muito caro.
Mas, levado ao extremo, qualquer ação ou omissão causa um dano a outra pessoa ou possui um custo para a sociedade. O simples fato de você respirar significa uma redução no ar disponível para o resto da humanidade, e nem só por isso há uma lei que o proíbe de respirar. Cabe à sociedade estabelecer um limite para a intervenção do Estado no direito das pessoas.
O bom senso geralmente estabelece o limite como sendo o direito direto do outro ou o custo insuportável para a sociedade. A razão pela qual a carne não é proibida é porque eu consumo carne, açúcar ou álcool e eu causominha própria obesidade e eu causo o dano aminha saúde. O problema com o cigarro é que eu consumo o cigarro e causo dano a saúde deoutra pessoa. E a única outra forma de protegê-la de maneira efetiva seria tolhendo a liberdade de ir e vir do não fumante. Ora, o direito de uma pessoa fumar é menor que o direito de outra pessoa de ir e vir. É por isso que em vários países desenvolvidos – e agora no Brasil – o cigarro está sendo proibido em locais públicos.
Uma outra maneira que o legislador normalmente usa para tentar impedir o consumo de substancias nefastas à saúde é o aumento da carga tributária desses produtos. E o Brasil já faz isso há décadas. É por isso que cigarro e bebida alcoólica estão entre os produtos com maior carga tributária no mundo inteiro. Mas existem dois problemas em tentar acabar com o consumo através de tributação: primeiro, o cigarro possui uma incrível capacidade de viciar e o tributo não serve para parar o consumo, exceto se levado ao extremo (por exemplo, se cada cigarro custasse centenas de reais). Mas, nestes casos, normalmente acaba surgindo um mercado negro para o produto. O segundo problema é que o tributo serve como mecanismo de discriminação social: as pessoas com maior poder aquisitivo terão a possibilidade de continuar consumindo seus cigarros, enquanto as pessoas mais pobres, não. Ora, o problema que a sociedade quer resolver não é fazer com que os pobres parem de fumar. O problema que ela quer resolver é proteger a liberdade dos não fumantes de freqüentarem determinados locais sem sofrerem dano à saúde. É por isso que o consumo em público esta sendo proibido.
Alias, é por isso que o uso obrigatório do cinto de segurança causou tanta controvérsia no campo teórico: se eu não usá-lo, eu não estou causando um dano direto a outra pessoa. A única pessoa prejudicada sou eu mesmo. O argumento do governo foi de que o custo social era insuportável e mais importante do que o direito pessoal de não usar o cinto: a legião de órfãos, viúvo(a)s e incapacitados que os acidentes geram exigia que o governo obrigasse o uso do cinto.
O argumento acima, aliás, não é original: José Saramago foi quem o usou há mais de uma década (quando o Brasil debatia o uso obrigatório do cinto): ele argumentava que se o Estado o obrigava a usar o cinto agora, um dia o proibiria de comer carne ou açúcar. Prevaleceu no Brasil, como está prevalecendo na maior parte do mundo desenvolvido, a lógica de que o seu direito pessoal não pode se sobrepor ao direito do outro ou ao interesse da sociedade.
Para quem quer saber mais, segue uma entrevista que dei a respeito ao Instituto Nacional do Câncer.